Uma guitarra acústica dá o mote para, em três tempos, a ela se juntar uma outra carregada de electricidade, bem como alguns gritos que parecem vir sem aviso das sombras. Lentamente, encerra-se tudo dentro de uma caixa de música que, em boa verdade, poderia pertencer a uma bruxa caminhante dos contos de Grimm. Estamos em “Vertigem”, o primeiro tema de “Pulso“, disco que nos mostra uma banda em grande forma.
E, se existem temas que são parte do ADN musical dos Um Corpo Estranho , como “Onde Quero Arder”, a dupla arrisca aqui um salto a território desconhecido, como quando, em “A Seiva”, João Mota canta de forma desprendida uma quase balada sobre a mudança e a inevitável finitude. Quanto a Pedro Franco, para além dos coros sentidos, continua a navegar corajosamente por entre um mar de cordas, sejam elas sustentação de guitarras, ukelelees, banjos ou tudo aquilo a que vá conseguindo deitar a mão.
Liricamente, a prosa da banda continua a cercar-se de fantasmas, de relações à beira do precipício e uma vontade férrea de seguir em frente, por muito que o que se deixe para trás seja uma ferida aberta ou mal curada. Já em termos sonoros, há claramente uma janela que foi aberta: mantém-se o espírito de um baile de saloon só que, desta vez, este é celebrado ao final da tarde.
De referir ainda o Corpus Ensemble que acompanhou a dupla nas gravações: Rui David (bateria e percussão) e Sérgio Mendes (guitarra eléctrica), que é como quem diz os Hands On Approach, e o virtuoso Vítor Coimbra (baixo, contrabaixo), que temos visto lado a lado com Mazgani.
“Que o fim da noite é só mais um regresso, a esta história onde começo“, canta-se em “Onde os Lobos Dormem”. Com “Pulso”, a história dos Um Corpo Estranho acaba de ganhar um novo e desafiante capítulo. Uma bela rodela de uma banda que tem sabido construir, em lume brando, uma sonoridade muito própria.
Sem Comentários