Orhan Pamuk, vencedor do Nobel da Literatura em 2006, é um daqueles escritores que está umbilicalmente – e geograficamente – ligado a uma cidade. Ao contrário de outros, que por diferentes motivos foram buscar inspiração ao exílio ou à migração, Pamuk vivido sempre em Istambul, numa alquimia diária que se reflecte na sua alma e, sobretudo, na sua escrita.
Em “Istambul – Memórias de uma cidade” (Editorial Presença, 2016 – reedição), Pamuk mostra-nos um diário aberto recheado de belíssimas e melancólicas fotografias a preto e branco, numa reflexão sobre a cidade e o país que tenta perceber de que forma nascer num determinado lugar do mundo – e em determinado momento da História – nos molda enquanto indivíduos.
Pamuk progride de forma quase sempre cronológica, desde quanto tinha cinco anos e nele despertou a ideia de que um outro Orhan vivia em Istambul, até quando decide contar à mãe que não será pintor mas seguirá a vida de escritor.
Ao mesmo tempo que vai revelando histórias pessoais, que mostram algumas fissuras familiares ou a sua relação com a religião num país devoto – “Até à idade de dez anos tinha uma ideia de Deus muito precisa: a de uma mulher venerável, de traços indistintos, velhíssima e vestida de branco. (…) Para mim, o tema essencial da religião é a culpa.” -, Pamuk faz de guia numa cidade de ruelas e edifícios arruinados mas também de esplendorosos monumentos – vestígios do extinto Império Otomano -, isto antes de levar o leitor a ver as cintilações do Bósforo.
É um livro poético e visual, um guia histórico e vivo de uma cidade que, hoje em dia, vive dias de terror. Um livro que não deixa de tecer algumas críticas à ocidentalização de Istambul – ou a uma ideia de globalização que tomou conta do planeta – mas que reserva outras viagens encantatórias, como a passagem de Gustave Flaubert pela cidade de Istambul. Um lugar de recordações que poderá ser a porta de entrada – ou mais um mergulho – na escrita de Orhan Pamuk.
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