Quando perguntavam a Charles Bukowski se tinha tido alguma influência maior no que toca aos artifícios e labirintos da escrita, este não tinha qualquer receio ou prurido em apontar aquele que foi o seu grande mentor: John Fante.
Nascido em Denver no ano de 1909, Fante começou a escrever em 1929, tendo o seu primeiro conto sido publicado em 1932. Em 1938 publicou “A Primavera há-de chegar, Bambini”, o primeiro romance da surpreendente saga de Arturo Bandini. Atingido pela diabetes em 1955, acabou por ficar cego e sem as duas pernas, o que não o impediu de continuar a ditar os seus textos à mulher – “Sonhos de Bunker Hill“, o último livro da saga Bandini, foi terminado desta forma em 1982. Acabou por morrer no ano seguinte, aos 74 anos.
Prosseguindo a publicação da obra de Fante, a Alfaguara lançou recentemente “Cheio de Vida” (Alfaguara, 2016), um exemplo maior de como Fante situa, de forma exemplar, uma relação matrimonial entre a comédia e o drama, com personagens incríveis que vão atravessando situações e momentos tocados pelo absurdo. E tudo numa linha que navega entre a ficção e a autobiografia.
Estamos em Los Angeles, anos 50. Todos andam à procura do american way of life, e John Fante não é excepção. Com três romances publicados e as portas do guionismo hollywoodesco praticamente escancaradas, Fante está prestes a abraçar a parentalidade, e nada parece poder perturbar o cenário idílico que vive com Joyce, a mulher. Porém, a partir do momento em que a casa de sonho se vê atacada por térmitas, a espiral aflitiva vai crescendo até ao ponto da loucura quase irreparável.
Decidido a poupar uns trocos no arranjo da casa, Fante visita a casa dos progenitores, de onde espera poder trazer Nick, o seu pai, para efectuar as necessárias reparações fazendo fé no seu passado de assentador de tijolos. Quanto à mãe, desmaia sempre que reencontra um dos filhos quando a última visita se estende para lá de seis meses, e não perde a oportunidade de enfiar alhos em roupa alheia como forma de amuletos contra a má sorte ou o mau-olhado (ou tudo o que seja mau). Nick tem, porém, um voraz apetite alcoólico, e a partir do momento em que este surge o livro entra numa montanha russa, com subidas e descidas emocionais que são puro deleite.
Mas nem só Nick, que não se poupa a opinar sobre a vida alheia – a de Fante, acima de tudo -, e de térmitas, se fará o inferno pessoal de Fante. Com a gravidez, Joyce sente o apelo da religião, pretendendo ser baptizada antes do nascimento da cria. E tudo fará para que Fante sinta o mesmo chamamento, apontando-lhe a confissão como o único caminho a seguir.
Centrando-se em questões religiosas e familiares, John Fante constrói um romance humano e comovente, carregado de sentido de humor, ironia e um toque de absurdo, imerso num constante torpor alcoólico. Não tendo tido o devido reconhecimento em vida, é tempo agora de fazer o merecido elogio e homenagem a John Fante.
Sem Comentários