Se o concerto de Hindi Zahra na Gulbenkian – integrado no Misty Fest 2016 – tivesse sido um jogo de futebol (metáfora imprevisível, não é?), a primeira metade teria revelado um daqueles jogadores que é o melhor em campo mas que termina a partida em dificuldades físicas, seja por estar estoirado, por ter andado a correr quilómetros ou porque levou algum toque entretanto. Notava-se a falta de qualquer coisa naquela primeira parte de interpretação, mas não se percebia bem o quê. E cansaço não podia ser porque o espectáculo ainda estava no início.
Até que a franco-marroquina explicou que estavam com problemas técnicos, que não a deixavam desfrutar ao máximo. Cá fora o som estava perfeito, mas aparentemente em cima do palco algo se passava. E isso impediu que a primeira metade do concerto – feito de um jazz muito próximo do rock de tradição anglo-saxónica, lembrando aqui a Norah Jones do início, acolá a Patti Smith versão mais soul – fosse mais expansiva.
No entanto, tudo mudaria. A banda haveria de se recolher, dando espaço para o seu percussionista brilhar num longo solo e, ao regressarem, tudo seria diferente. Estivessem ou não debelados os problemas técnicos, o certo é que foi outra Hindi Zahra que apareceu na segunda parte do espectáculo.
Tudo começou com o vaudeville de “Beautiful Tango”, mas depois começou a espraiar-se. Os temas começaram a estender-se, em psicadelismo bules pelo deserto fora, lembrando mais as aventuras xamânicas de Josh Hommes e seus comparsas em Palm Desert do que as raízes africanas de Zahra. Mantinham-se as percussões latinas, a flexibilidade vocal de Zahra mais perto da tradição oriental do que da ocidental e as malhas hipnóticas de guitarra à Tinariwen, mas tudo junto resultava numa trip incrível de psicadelismo-world-music-whatever.
“Ahiawa”, com o seu riff de guitarra circular à Ali Farka Touré, enche a sala de electricidade e acaba o concerto em alta. Havia agora muita energia no corpo e era impossível ir já para casa, pelo que foi preciso haver mais. Hindi Zahra regressa então para o encore, onde se deixa possuir e entra em modo Yoko Ono (mas sem os gritos, felizmente), puxando pela plateia e convidando-a ao descontrole. Público em pé, Zahra pelo chão e uma banda cheia de groove em crescendo, até à catarse final. Se o concerto na Gulbenkian tivesse sido um jogo de futebol, Hindi Zahra não só tinha goleado como teria ganho de capote.
Programação Misty Fest (até 13 Novembro)
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