“O sentimento de maldade que mora em mim vai direito ao estômago, faz-me sentir mal-disposta e desconfortável, como se estivesse engolido uma pedra. Depois daquela cena no labirinto, tenho-me sentido má muitas vezes.”
Finalista dos prémios Dagger Award e Costa Book Award, ambos na categoria de primeira obra, “Inseparável” (Clube do Autor, 2016) oferece um começo verdadeiramente prometedor, colocando a correr em paralelo duas vozes: a de Beth, que depois do divórcio e de o (ex)marido a ter trocado por uma miúda mais nova, vive num medo constante de que a sua filha desapareça; e Carmel, uma menina dada a distracções e desaparecimentos, que olha muitas vezes para a mãe como um empecilho e que cria filmes constantemente. Dela, os professores dizem ter em doses iguais a inteligência e uma capacidade absurda de sonhar de olhos abertos.
Carmel parece ser, no arranque do livro, a destemida e psicótica personagem do livro, alguém que pensa regularmente em espadas a brilhar no escuro, piratas com olhos duros e amarelos, coisas que acontecem debaixo do mar, criaturas de bocas peludas sussurrando segredos.
Há, porém, um momento de viragem, que tem lugar quando Carmel é raptada pelo líder de um estranho culto, que vê nela uma curandeira milagrosa que poderá salvar muitas almas e, por que não, render muito dinheiro. A partir daqui, enquanto a mãe tenta sem grande apoio encontrar a filha, esta transforma-se de lobo em cordeio, retirando à narrativa o seu lado de Lautréamont – ou de Gillian Flynn – que parecia poder imperar, pelo menos a espaços.
A conclusão do romance acaba também por revelar algum moralismo à moda dos contos clássicos, como que a dizer que se não fores boa para a tua mãe o papão te vem buscar. Em “Inseparável”, Kate Hamer acabou por passar ao lado de um policial negro e cheio de sombras.
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