Não é certo que Anna Meredith descenda da linhagem do Capitão Nemo, essa figura maior da literatura fantástica criada por Jules Verne, mas a verdade é que a sua entrada no Pequeno Auditório do CCB foi feita a bordo do Nautilus, um robusto e metalizado submarino que é, também, a faixa de abertura do recomendadíssimo “Varmints”, uma das mais entusiasmantes rodelas editadas no ano da graça de 2016.
Por falar em água e piscando o olho a outro fenómeno da história marítima, não seria difícil imaginar o Titanic a ir ao fundo, enquanto o navio ficava entregue a Anna Meredith e restante rapaziada, submersos na vida de uma orquestra feita de bateria, tuba, violoncelo, teclados, percussão e um tímido mas irrequieto metalofone. Isto enquanto, num ecrã de fundo, criaturas marítimas iam torcendo os olhos e abanando as caudas.
Para quem estava à espera de alguma formalidade, isto por Anna Meredith se ter licenciado em música pela Universidade de York, completado o Mestrado em Música na área da composição pela Royal College of Music ou de ter sido Compositora Residente para a BBC Scottish Symphony Orchestra, o cenário foi de pura festa, tendo Maredith juntado, à alegria de estar em palco e ao constante abanar do corpo, o certificado humor inglês.
A viagem musical fez-se à volta de “Varmints”, ainda que mais para a frente tivéssemos sido brindados com uma cover – que mais parecia um tema original, tal não foi a volta dada – de “A Little Respect”, dos Erasure, uma reinvenção de todo o tamanho.
Momentos altos não faltaram: em “Taken”, um coro afinado prepara o caminho para uma sessão de martelo – ou percussão – até ao infinito e mais além; “Aqui é onde eu pego no clarinete, é muito excitante”, diz Meredith antes de se atirar a “R-Type”. E como classificar uma música destas, onde há um coice de bateria, uma guitarra que perdeu os travões numa descida sem fim à vista e um triunvirato insano constituído por um clarinete, uma tuba e um violoncelo? Música de dança? Rock sinfónico? Free jazz?
“Estou muito contente por estar aqui porque me deram uma bateria formidável, acho que vou ficar com ela”. Meredith aproveitava cada pausa para se dirigir ao público, apresentando “Something Helpful” como a despedida portuguesa do Verão – “Sei que a chuva vem aí, desculpem”. Um tema cantado a três vozes que, mais do que o adeus ao Verão, parecia querer anunciar a chegada precoce do Natal. Até quando veste a pele de vendedora, que isto da música é muito bonito mas há-que ter comida na mesa mas também no frigorífico e na dispensa, a miúda tem estilo: “It’s your civil duty to come and buy my crap”, referindo-se às muitas T-shirts que aguardavam lá fora por novos donos.
Antes do concerto e num momento informal – não se preocupem, não vamos ter aqui um momento à António José Saraiva -, João Castro, da Nariz Entupido – Associação Cultural que trouxe Meredith a Portugal numa parceria com o CCB -, disse-nos que a grande aposta da promotora era a de tentar buscar a diferença, independentemente do género musical. Algo que foi cumprido na plenitude com Anna Meredith, um vaporoso caldeirão musical que merecia um auditório mais bem composto.
Próximos concertos Nariz Entupido:
9 Novembro | Xenia Rubinos > Sabotage
16 Novembro | Julia Kent | Joana Guerra > Igreja dos Ingleses
20 Novembro | Heather Woods Broderick > Igreja dos Ingleses
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