Não só Andy Warhol tinha grande entusiasmo pelos famosos. Hoje, essa curiosidade generalizou-se e a sociedade tornou-se demasiado voyeur, transformando, da noite para o dia, um vulgar anónimo em famoso.
Para o leitor, o escritor, esse sim, é uma atracção e um enigma a decifrar, ainda que advertido quanto à inutilidade desse conhecimento, à possível decepção, devendo contentar-se com as obras. E, ainda assim, é uma tentação conhecê-lo e saber o que pensa. É a nossa possibilidade de conversar com o autor por interposta pessoa.
A entrevista literária é pois um complemento precioso, que aprofunda a compreensão da obra a partir do seu autor, a oportunidade de conhecer o seu processo de escrita, as suas influências, o que pensa sobre os outros autores, as outras artes e sobre o mundo. A entrevista pode ser também a primeira aproximação ao escritor de quem nada se sabe e funcionar como convite à leitura.
Existem entrevistas que são preciosidades que guardamos para sempre, momentos de intimidade com uma personalidade de excepcional envergadura pessoal e cultural que, de outro modo, nos estaria vedada.
Famosas são as entrevistas da prestigiada revista literária americana Paris Review, fundada em 1953. A qualidade dos entrevistadores, o ambiente e o processo da entrevista, mas principalmente a escolha dos escritores, nomes maiores e incontornáveis da literatura universal, justificam a recolha e edição destes documentos intemporais. “Entrevistas da Paris Review 2”(Tinta da China, 2014) é o 2º volume de entrevistas desta publicação que a Tinta da China edita em Portugal, desta vez com tradução e notas de Rita Almeida Simões.
São 12 escritores ocidentais: 5 americanos e 7 europeus, 5 mulheres e 7 homens que deixaram um lugar de pleno direito na história da literatura do séc. XX. Dois prémios Nobel, T.S. Eliot e Harold Pinter, uma categórica e monumental Marguerite Yourcenar, um escritor maldito de desesperado pessimismo como Céline, um sobrevivente extraordinário do holocausto nazi como Primo Levi, um modernista brilhante e pessoa controversa como Ezra Pound, etc. etc. As entrevistas são desiguais, algumas são melhores do que outras, cabe a cada leitor decidir. O conjunto destas conversas teve lugar entre 1956 e 2006.
Um livro de entusiasmante leitura, que pode ser interrompido e retomado livremente, lido pela ordem que se desejar. Um objecto bonito que dá gosto segurar, como o são todos os livros desta editora.
Retirado do livro:
«Cultivem a curiosidade e não sejam falsos. Mas isso não basta. (…) A revista humorística Punchbowl da Universidade da Pensilvânia costumava ter como lema: qualquer idiota consegue ser espontâneo.» | Ezra Pound
«Nenhum poeta honesto pode alguma vez ter certezas sobre o valor permanente daquilo que escreve. Pode ter perdido tempo e estragado a vida para nada.» | T.S. Eliot
«O que me interessa é ser completamente ignorado. Tenho um apetite animal pela reclusão.» | L.F.Céline
«A Lolita é que é famosa, eu não. Eu sou um romancista obscuro, com um nome impronunciável.» | Vladimir Nabokov
«Por muito modestos que nos consideremos ou por muito menores que julguemos que somos, tem de haver um terrível problema de ego algures, para que nos disponhamos a escrever poesia.» | E. Bishop
«Leio sempre enquanto trabalho , habitualmente à noite. É uma maneira de manter os circuitos abertos. É uma maneira de pensar sobre a minha actividade enquanto descanso um bocadinho do trabalho que tenho em mãos. Ajuda na medida em que alimenta a obsessão global.» | P. Roth
« Mas o que é o amor? Esta espécie de ardor, de calor, que nos impele inexoravelmente para outro ser? Porquê dar tanta importância ao sistema genito-urinário da pessoa? Este não define um ser na sua globalidade e não é sequer eroticamente verdade.» | M. Yourcenar
«É difícil ser-se bom na vida e difícil retratar a bondade na arte. Talvez não saibamos muito sobre a bondade.» | Iris Murdock
«Atenção, o espírito é instinto, não razão. Na verdade, a razão era desencorajada, por ser a ferramenta da crítica.» | Primo Levi
«À medida que envelheço, cada vez mais me convenço de que o grande alcance e os pormenores são exactamente a mesma coisa; o macrocosmos e o microcosmos são idênticos.» | Jan Morris
«Comecei a perder a paciência com as convenções da escrita. As descrições foram a primeira baixa.» | Joan Didion
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