Depois de uma avozinha com tiques de Don Corleone, uma dentista que incentivava ao consumo desenfreado de açúcar, uma Tia impermeável às emoções humanas e um rapaz com muito dinheiro mas poucos amigos, era grande a expectativa para saber onde iria chegar a próxima história de David Walliams, actor britânico de comédia que ficou conhecido pela parceria com Matt Lucas na brilhante série televisiva Little Britain.
“Rato Picado” (Porto Editora, 2016) é o mais recente título a ser publicado em Portugal e, se juntarmos o lado sugestivo do título à imagem de capa, não será difícil adivinhar que, algures na história, daremos de caras com hambúrgueres pouco recomendados.
Como sempre, há um lado órfão ou de criança maltratada nas histórias de Walliams. Zoe é uma rapariga infeliz que vive com o pai, um muito criativo e reputado inventor de sabores de gelado entretanto caído em desgraça, e com Sheilla, a terrível madrasta que subsiste à base de hóstias de camarão e vai tatuando, em ambos os braços, os nomes dos sucessivos namorados que vai tendo (a que acrescenta um risco horizontal mal amanhado depois de estes terem zarpado). A madrasta é tão preguiçosa que tem de ser Zoe a, por exemplo, limpar-lhe o nariz, para além tratar da arrumação de toda a casa – uma espécie de Gata Borralheira dos tempos modernos.
O grande sonho de Zoe – ou, pelo menos, o mais imediato – passava por fazer um espectáculo de Natal para todas as crianças do bairro com o seu hamster, a quem havia ensinado imensos truques e movimentos de breakdance. Porém, ao regressar a casa, encontra Gengibre morto, mas o sonho renasce quando um rato a sério descobre o caminho para o quarto de Zoe, deixando-a às voltas com a recriação da sabedoria popular: quem não tem hamster caça com rato.
Mas nem só de madrastas terríveis e pais cabisbaixos é feito o dia-a-dia Grimmiano de Zoe. Há ainda Tina, a bully de serviço lá da escola, que sempre que Zoe passa por baixo de sua casa decide disparar um míssil de cuspo que, na maior parte das vezes, acerta no alvo. Ou Burt, um vendedor cego de hambúrgueres muito duvidosos, que quer roubar o rato de Zoe para experimentar uma receita nova.
Entre o espírito solidário e animalário de Ratatouille e um pedido de ajuda à ASAE, “Rato Picado” é mais um divertido volume – que conta com as habituais ilustrações de Tony Ross – de David Walliams, seguindo a linha de que para chegar à felicidade é preciso primeiro passar por uma montanha de infortúnios; e que acaba por deixar, entre outras, uma mensagem muito válida: quando saírem à noite ou mesmo naqueles dias de maior aperto no estômago, evitem comer em roulottes duvidosas.
Outros títulos da colecção:
Avozinha Gangster
Doutora Tiradentes
A Terrível Tia Alberta
O Rapaz Milionário
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