O encontro de Blixa Bargeld com o compositor italiano Teho Teardo terá sido, muito provavelmente, o mais importante da carreira do alemão desde que conheceu Nick Cave. É que o cruzamento entre a música cinematográfica de Teardo e o registo vocal expressivo e teatral de Bargeld possibilitou um casamento perfeito. E aquele encontro que parecia ser apenas uma one night stand na carreira de ambos – Teardo necessitava de uma voz para uma das canções da sua banda-sonora para o filme “Una vita tranquilla” – prolongou-se por dois álbuns, com o mais recente – “Nerissimo” – a legitimar completamente este projecto italo-alemão.
Foi precisamente com o tema homónimo deste mais recente álbum que arrancou o concerto no Teatro Maria Matos, o mesmo palco que em 2014 já havia acolhido a dupla num espectáculo que deixou memórias felizes a quem teve a boa ideia de não o perder. Apesar da presença em palco duma pequena secção de cordas e do clarinete-baixo de Gabriele Coen, as canções de câmara de Teardo e Bargeld constroem-se sobretudo a partir de um pequeno mantra sonoro, normalmente lançado pelo baixo eléctrico processado do italiano, ao qual se vai juntando em camadas sonoras os restantes instrumentos. Esse processo dá ênfase à voz e ao registo de Bargeld, até porque as letras têm aqui particular relevo. E, principalmente ao vivo, onde a carga dramática da música é maior, essa relação entre som e a palavra fazem lembrar as experiências poéticas desse seu primo afastado luso que são os Osso Vaidoso, de Ana Deus e Alexandre Soares.
Particularmente espirituoso, Blixa Bargeld dirigiu-se várias vezes ao público que encheu a sala, congratulando-se por exemplo por poder anunciar a sua versão de “The empty boat” a um público que sabe quem é Caetano Veloso, ou contando como foram tocar o ano passado à China para uma multidão de pessoas que não sabiam claramente ao que tinham ido. No entanto, à medida que o concerto foi avançando de forma cada vez mais imersiva, a música foi tomando conta dos processos comunicativos entre a banda e o público. E foi com a sequência”Ich bin dabei” e “Come up and see me” (esta última do primeiro disco, “Still smiling”), em crescendo catártico, que se atingiu o zénite da noite.
Teho Teardo e Blixa Bargeld ainda regressariam a palco para o encore da praxe, onde tocaram finalmente o temaço que é “Soli si muore”, a versão italiana de “Crimson & clover”, clássico dos anos 60 de Patrick Samson feito e refeito vezes sem conta ao longo do tempo por gente como Prince, Dolly Parton ou Joan Jett, e que já se tornou numa espécie de cartão de visita da dupla. Forma perfeita para terminar uma actuação irrepreensível, numa comunhão muito própria com o público nacional.
Fotos: José Frade.
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