“Se a música alimenta o amor, não parem de tocar.” A frase é de Shakespeare e tudo indica que John Carney, o realizador de “Sing Street”, não podia estar mais de acordo. Carney tem um talento especial para dirigir musicais e, depois do sucesso de “Begin Again” – com Keira Knightley, Mark Ruffalo e Adam Levine, o vocalista da banda Maroon 5 -, as expectativas em torno do seu novo projecto só podiam ser altas. No entanto, não houve lugar a desilusões. Bem pelo contrário: “Sing Street” revisita grandes temas dos anos oitenta de que muitos ainda se lembram e está repleto de humor, graças à espontaneidade impressa nos diálogos.
Estamos em Dublin, no ano de 1985. Conor (Ferdia Walsh-Peelo), 15 anos, ouve mais uma discussão entre os pais a partir do quarto enquanto ensaia alguns acordes. A separação parece inevitável e as dificuldades financeiras obrigam-no a inscrever-se numa escola onde o bullying é prática corrente. Até por parte de quem dirige a instituição de ensino, uma vez que o adolescente é obrigado a andar descalço enquanto não se apresentar com sapatos pretos – para os quais não há orçamento familiar disponível. Apesar do ambiente hostil, eis que surge um estímulo para permanecer naquela escola: Raphina (Lucy Boynton). Parada ao cimo das escadas a escassos metros do recinto escolar, Raphina tem tudo para chamar a atenção: daí o desejo de partir para Londres, onde pretende seguir a carreira de modelo. Conor supera a timidez por breves instantes e decide abordá-la – até ao ponto em que a convida para ser a estrela de um videoclip. O problema? Dificilmente haverá videoclip se a banda a que Conor diz pertencer nem sequer existe.
No worries: se não existe, tem de passar a existir. E aqui chegamos a uma das melhores cenas: em pouco tempo, forma-se uma banda de cariz “futurista”, composta por nerds e inadaptados de todos os géneros – sendo Eamon (Mark McKenna), cuja obsessão por coelhos é hilariante, o mais caricato. No entanto, o talento mora ali: depois de ultrapassarem a vontade de fazer uma covers band, rapidamente descobrem que o caminho a seguir passa por compor temas originais. Muito graças a Brendan (Jack Reynor, cujo talento é notório), o irmão mais velho de Conor, que insiste em dizer que nem sequer é necessário saber tocar bem para atingir o sucesso: “Os Sex Pistols sabiam tocar, por acaso? Quem pensas que és – Steeley Dan?”
Aos poucos, vamos assistindo à evolução criativa de “Sing Street”, o nome adoptado por unanimidade pelos elementos do grupo – e o estilo musical sofre várias influências, entre as quais encontramos Duran Duran, The Cure, Spandau Ballet, Joe Jackson e até a cena do baile de finalistas de “Regresso ao Futuro”. Com o intuito de impressionar Raphina, Conor passa de um miúdo tímido a um jovem admirado pelos pares, assumindo um look cada vez mais ousado – bem ao estilo dos seus ídolos. Tiziana Corvisieri, responsável pelo guarda-roupa, fez aqui um trabalho notável. Contudo, embora cada tema faça o ponto da situação entre Conor e Raphina, sendo a história de amor central neste filme, há uma outra relação que se destaca: a dos dois irmãos. No início, encontramos um Brendan seguro de si, com conhecimentos musicais sólidos, projectando uma imagem de estabilidade. No entanto, à medida que Conor vai cimentando a auto-confiança, assistimos ao colapso de Brendan: também ele, em tempos, quis fazer parte de uma banda, algo que nunca aconteceu. Ainda por cima, desistiu da faculdade, condenando-se a um beco sem saída. Todavia, é graças ao irmão mais velho que Conor trilha o seu caminho com determinação, pelo que a dedicatória “Para Todos os Irmãos” é inteiramente legítima.
“Sing Street” talvez peque na cena final, já que é bastante inverosímil. Mas tendo em conta que os protagonistas são ainda adolescentes, não deixa de ter alguma graça. Afinal, quem nunca cometeu uma loucura antes dos 20… que atire a primeira pedra.
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