A cidade de Los Angeles é há muito tempo uma inspiração – escritores como Raymond Chandler e James Ellroy tiraram partido da vibração sombria da metrópole para compor um género distinto: o chamado L.A. Noir. “Bons Rapazes” – “The Nice Guys” no original -, novo filme do realizador e argumentista Shane Black, nasce desse molde, mas assenta-lhe a fórmula de acção e comédia que Black tem usado ao longo da sua carreira.
O filme passa-se nos anos 70, numa Los Angeles corrupta e decadente, e centra-se nos dois protagonistas, Jackson Healy (Russell Crowe) e Holland March (Ryan Gosling). Healy ganha dinheiro como “gorila” contratado, entregando mensagens à base de soqueiras e ossos partidos. March está algures a meio caminho entre detective e vigarista, contratado por idosos com problemas de memória para encontrar os cônjuges já falecidos.
March conhece Healy quando este lhe aparece à porta, para educadamente lhe partir um pulso, por motivos de início pouco claros. Tem a ver com Amelia, uma rapariga que March anda a tentar encontrar. E porquê? Bem, toda a gente anda atrás dela. March e Healy acabam por se unir para tentar encontrar a ligação entre o desaparecimento de Amelia, a morte de uma actriz porno com o nome improvável de Misty Mountains e a indústria automóvel de Detroit. A viagem vai levá-los ao Departamento de Justiça, na pessoa de uma recauchutada Kim Basinger (a actriz aparece rígida como uma boneca de cera).
A história não é o mais importante neste filme – serve apenas de pano de fundo para os diálogos ácidos e hilariantes, disparados pelas personagens carismáticas. A química entre Gosling e um anafado Russell Crowe funciona, o que é essencial para uma fita deste tipo. Os actores fazem lembrar Mel Gibson e Danny Glover em Arma Mortífera, trilogia clássica com argumento do mesmo Shane Black.
Crowe faz um boneco pouco habitual na sua carreira: ganhou peso para este filme, e os quilinhos extra encaixam bem no papel do bruto Healy. É um homem zangado, mas consegue ser também cómico. Gosling, fora do seu habitual registo solene, surpreende com o seu jeito para a comédia física – March é desastrado e passa o tempo a beber, a perder armas, a dar maus palpites e a cair (repetidamente) de grandes alturas. A jovem Angourie Rice destaca-se como Holly, filha de March, espécie de grilo falante do pai: se não fosse ela, estes dois detectives provavelmente não detectariam coisa nenhuma.
No último terço a história entra em roda livre, com solavancos e guinadas em todas as direcções. No entanto, o filme é suficientemente engraçado quando se foca nos seus dois heróis – seja quando confrontam os vilões ou quando reagem um ao outro – para que o argumento, algo genérico e desequilibrado, seja tolerado com boa vontade.
“Bons Rapazes” é um bom antídoto para a invasão de efeitos especiais extravagantes que costumam rechear os blockbusters modernos. É espirituoso, descontraído e consegue parecer fresco, mesmo que não o seja: Shane Black já anda a aperfeiçoar esta receita há mais de três décadas.
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