Demarcando-se do relato documental de acompanhamento de uma gestação mês a mês, “Olmo e a Gaivota” (“Olmo and the Seagull” no título inglês) – de Petra Costa e Lea Glob – é, acima de tudo, um belo retrato intimista, não só sobre o ciclo de preparação para a maternidade como, também, sobre o rito de passagem que implica deixar para trás um trajecto de vida pautado pelas prioridades do Eu.
A actriz italiana Olivia Corsini, radicada em França, começa a dar por si a envelhecer, nostálgica de uma vida plena de casos amorosos, vidas cruzadas e satisfação profissional que muitos invejariam. Sabe que o filho que vem a caminho, Olmo, representa um antes e depois – a identidade partilhada e um núcleo familiar que, pese destacar-se pela natureza liberal dos pais, não deixa de se aproximar do conceito mais conservador de família.
Contrariada por ter de ceder aos requisitos obrigatórios de uma gravidez que apresenta algum risco, que além de implicar não poder seguir em digressão com a companhia Théâtre du Soleil (que está a trabalhar na peça “A Gaivota” de Anton Tchékhov e da qual também faz parte o companheiro e pai da criança, Serge Nicolaï), implica também que Olivia tenha de passar uma longa temporada no seu apartamento em Paris. O que se segue é um suceder de reflexões universais, umas mais existenciais que outras, vindas de uma mulher confiante e realizada, que vê a gravidez trazer ao de cima muitas incertezas e inseguranças mas, também, muita sabedoria. Nessas erupções hormonais, o lado humano (e porventura mais sensível) de Olivia vem ao de cima, à medida que surgem alguns desejados confrontos com o passado.
Por sua vez, as cineastas – uma brasileira (Petra Costa) e outra dinamarquesa (Lea Glob) – aproveitam o talento interpretativo dos protagonistas, optando pela desconstrução do testemunho e da mera observação, convidando Olivia e Serge a disporem da sua criatividade enquanto actores, de modo a criar cenas do seu relacionamento com emoções distintas e brigas tensas à intimidade romântica. Costa e Glob sabem o que querem filmar, tanto quanto querem que o casal seja, ele próprio – no fundo -, uma interpretação de si mesmo.
Uma co-produção de várias frentes, entre as quais a portuguesa O Som e a Fúria, a bem conhecida Zentropa e um dedo de Tim Robbins, a pluralidade em torno de “Olmo e a Gaivota” reforça a sua pertinência. Mas, mais que a soma das partes, não há filme sem o seu casal protagonista: Olivia e Serge são uma verdadeira força da natureza.
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