E eis que, de repente, a editora Guerra & Paz decide trazer de volta à actualidade alguns dos livros que, não necessariamente por bons motivos, marcaram a história da Literatura e, acima de tudo, da própria História. Um desses espécimes é “Manifesto Comunista”, escrito a quatro mãos por Karl Marx e Friedrich Engels, que acabou por servir de alimento a uma utopia que, numa questão de anos, se transformou num revolto mar de tortura.
A estética incendiária das primeiras três décadas do século XX surge personificada através do comunismo crítico de Marx e Engels: não basta construir uma sociedade, antes de isso há-que destruir os alicerces da sociedade vigente. Como se lê no texto introdutório de Manuel S. Fonseca, “este luminoso farol da nova humanidade que seria o proletariado só emerge se, antes, dramaticamente, partir os dentes à burguesia.” O “catecismo” doutrinário acabou impresso na forma de livro em 1848, passando à posteridade em 1872 com o título mais curto – era antes Manifesto do Partido Comunista – de Manifesto Comunista.
18 de Março de 1871, Comuna de Paris, o primeiro governo operário da história. Cerca de 62 dias que acabaram num rio de sangue e morte, com mais de 20000 mortes e umas 40000 prisões, muitas delas acabando em execuções. Marx foi um paladino da Comuna, já então membro da Primeira Internacional. Foi nesta altura que o “Manifesto Comunista” se tornou um caso sério de popularidade, sendo publicado em seis línguas europeias e, até ao final do século XIX, chegando à China e ao Japão. Nos julgamentos da Comuna, diga-se, não era estranho serem lidos excertos do Manifesto em voz alta.
Será contudo no século XX, com a Revolução Soviética de 1917, que o texto se converterá numa reza doutrinária e ideológica. Deixa de ser o texto de um filósofo para, de súbito, se converter na arma de um modelo de partido – o marxista-leninista -, bem como a lança teórica de um estado chamado URSS. Mas terá sido este o objectivo de Marx? Provavelmente não, mas agora nunca o saberemos.
Em “Manifesto Comunista”, Marx propõe uma teoria da história onde o proletariado surge como o herói que vive da venda da sua força de trabalho, percorrendo um campo de batalha que o opõe à burguesia. Marx incita o proletariado à Revolução, fornecendo os elementos para compreender o capitalismo e a própria revolução operada pela burguesia. Um dos grandes triunfos deste Manifesto acaba por ser a ideia visionária – e então muito distante – de um mercado global, sem fronteiras e com um grande desenvolvimento ao nível dos transportes e das telecomunicações. Falhou, contudo – e rotundamente -, na previsão da queda do capitalismo e, nestes tempos modernos, será muito provavelmente o próprio proletariado que se negará a fazer a revolução, pelo menos nos moldes em que Marx e Engels o terão imaginado.
No prefácio, Manuel S. Fonseca defende que o Manifesto morreu às mãos do comunismo soviético e do Maoísmo, onde passou a ser impossível incluir algo de tão valioso como a ideia de que “o livre desenvolvimento de cada um é a condição para o livre desenvolvimento de todos.” Já Raymond Aron, numa época em que académicos e literatos como Sarte se deixavam embevecer pelo comunismo, resumiu exemplarmente aquilo que esta ideologia sacrifica: “A liberdade de investigar, a liberdade da controvérsia, a liberdade da crítica e de votar.”
Para além de oferecer a versão integral do Manifesto, esta edição de capa dura apresenta 56 páginas que revisitam, por entre um esmerado trabalho gráfico, a história do comunismo europeu. A acrescentar a este título, a Guerra & Paz publicou já dois outros títulos negros da literatura ideológica: “Mein Kampf – a minha luta” e “O Pequeno Livro Vermelho”.
2 Commentários
Olá, estou fazendo uma pesquisa e gostaria de saber se as duas primeiras imagens desse texto foram tiradas do projeto gráfico da edição do Manifesto pela Guerra e Paz.
Agradeço a resposta desde já.
Olá Bruna, foram sim. Cumprimentos.