Depois de viver durante muitos anos nos Estados Unidos, Julie Christie regressou ao Reino Unido determinada a escolher papéis que reflectissem a sua idade, respeitando toda uma nova forma de estar. Embora sempre tenha convivido com a ideia do envelhecimento de forma pacífica, tem plena consciência de que algumas pessoas se sentem traídas pelo simples facto de não estar disposta a esconder as rugas e as debilidades a que não podemos escapar à medida que o tempo passa. Foi por esse motivo que não hesitou em aceitar um convite especial de Sarah Polley: ser a protagonista de “Away From Her”, baseado num conto de Alice Munro sobre a doença de Alzheimer. A interpretação de Christie foi de tal modo elogiada pela crítica que a nomeação para o Oscar – no caso, a quarta – acabou por se tornar inevitável. Estávamos em 2008 e a comparação com o desempenho de Katharine Hepburn em “On Golden Pond” foi inteiramente merecida; só mesmo actrizes com uma determinada sofisticação intelectual são capazes de tentar quebrar o derradeiro tabu que ainda persiste no mundo do espectáculo: envelhecer é um processo inelutável e, saber aceitar esse facto, encerra uma elegância a que muitos preferem renunciar.
Julie Frances Christie nasceu na Índia colonial, em Abril de 1941, e cresceu no meio de uma plantação de chá, de que o pai era proprietário. Viajou para Inglaterra com o intuito de estudar num colégio interno, de onde acabou por ser expulsa por mau comportamento, passando a viver com a mãe, entretanto divorciada, no norte do País de Gales. A primeira oportunidade como actriz profissional surgiu através de “A for Andromeda”, uma série de ficção científica produzida pela BBC, a que se seguiu o papel da indomável Liz em “Billy Liar”, de John Schlesinger, com quem trabalhou inúmeras vezes. Foi, aliás, graças a ele que conquistou o Oscar de Melhor Actriz em 1965: Diana Scott, a modelo ambiciosa e promíscua plenamente convencida de que os fins justificam os meios, deixou a Academia rendida ao talento de Christie e “Darling” marcaria, em definitivo, a sua consagração. Nesse mesmo ano, surge o convite de David Lean para, juntamente com Omar Scharif, protagonizar o célebre “Doutor Jivago”, tido como um dos melhores filmes de sempre; ainda hoje há quem associe o rosto de Christie ao de Lara Antipova, personagem do aclamado romance homónimo de Boris Pasternak.
Christie elegeu a qualidade em detrimento da quantidade, razão pela qual recusou participar em projectos com que não se identificava, como “They Shoot Horses, Don’t They?” ou “Anne of the Thousand Days”. Além disso, sempre prezou a amizade com realizadores como Robert Altman, não hesitando em integrar o elenco de “Nashville” e de “McCabe and Mrs Miller” – aqui, ao lado de Warren Beatty, com quem manteve uma relação durante mais de uma década. Para trás ficaram ainda desafios extraordinários, como um papel duplo em “Fahrenheit 451” – numa adaptação inovadora da obra de Ray Bradbury, consolidando a carreira de François Truffaut – ou a participação naquele que é já considerado um clássico do terror, “Don’t Look Now”. O realizador britânico Nicolas Roeg transforma Veneza numa cidade fantasmagórica e conta-nos a história de um casal, interpretado por Julie Christie e Donald Sutherland, que viaja para Itália na sequência da morte acidental da filha. Para além de ter sido bem-sucedido a criar um ambiente aterrador, Roeg conseguiu convencer a dupla a filmar uma cena de sexo que gerou forte controvérsia, factor que contribuiu para fazer desta uma obra de culto.
São já 75 anos de uma vida cheia e, aquela que Al Pacino classificou como “a mais poética de todas as actrizes”, ainda tem a modéstia de dizer algo como isto: “Julgo que há qualquer coisa em mim quando estou no grande ecrã, mas nada tem a ver com técnica ou talento.”
Nonsense, darling: muito pelo contrário.
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