“Mergulho Profundo” é um remake de “A Piscina”, filme de culto de Jacques Deray com dois actores lendários como protagonistas: Alain Delon e Romy Schneider. No papel de Lolita, encontramos Jane Birkin, numa das suas primeiras aparições em cinema. Estávamos em 1969 e a nudez de Schneider exposta naquela villa do Sul de França era ainda tida como uma obscenidade em Portugal. Quase 40 anos mais tarde, (re)encontramos Tilda Swinton (Marianne) e Matthias Schoenaerts (Paul) – cujo desempenho em “Ferrugem e Osso” não passou despercebido -, embora num outro lugar: as atenções voltam-se agora para a Pantelária, uma ilha mediterrânica ao largo da Sicília.
Luca Guadagnino traz-nos uma história centrada nas consequências das escolhas feitas a partir do desejo sexual e a tensão parece estar sempre presente, sobretudo depois da chegada de Ralph Fiennes (Harry) e de Dakota Johnson (Penelope), a filha recém-descoberta. Marianne, que vemos pela primeira vez em cima de um palco perante milhares de fãs – num look com claras alusões a Ziggy Stardust -, recupera de uma cirurgia às cordas vocais na companhia de Paul, um alcoólico também ele em recuperação. O idílio é interrompido de repente e sem aviso pelo produtor musical e ex-companheiro da estrela rock, que se instala na villa italiana com o despudor de um narcisista. Para tornar a situação ainda mais melindrosa, Penelope é uma loira platinada de poucas falas que insiste em cirandar pela casa com um aspecto provocante. Além disso, pela forma como olha para o pai, um coleccionador de flirts assumido, os laços de sangue não deixam de assumir contornos duvidosos.
A ilha, onde os migrantes africanos começam a chegar em catadupa, pode também ser vista como uma quinta personagem, já que reforça a ideia de não haver saída para um desfecho calamitoso: com o raciocínio embotado pelo calor e a chegada do sirocco, o vento que vem do deserto, as personagens não escapam a um ambiente cada vez mais asfixiante. Harry, aparentemente arrependido de ter abdicado de Marianne – a quem apresentou Paul -, teima em insinuar-se junto da ex-companheira com uma intensidade quase maníaca: dança ao som de Emotional Rescue dos Stones enquanto fala sem parar sobre si próprio – seguramente, uma das melhores cenas do filme; embarca numa sessão de karaoke com a filha perante o olhar embevecido de Marianne; faz-se rodear de garrafas de vinho, testando os limites de Paul.
Paul, por seu lado, ainda tem de resistir às investidas de Penelope, que não hesita em despir-se durante um passeio a dois pela ilha. A tranquilidade que habitava a paisagem no início dá agora lugar a um vórtice de emoções e desejos contraditórios, e só com nervos de aço será possível manter a compostura. Os diálogos imprimem densidade à narrativa, que se encaminha a passos largos para o clímax. A escolha da música também não foi feita por acaso: a modernidade dos Stones contrasta com o classicismo de Verdi, enquanto Tom Jobim empresta doçura à banda sonora – este cocktail musical permite-nos oscilar entre vários estados de espírito.
E, embora Tilda Swinton esteja soberba – o facto de não poder falar funciona como um ponto a seu favor, já que investe numa expressividade absolutamente notável -, quem se destaca por completo é Ralph Fiennes, cuja carreira renasceu desde que participou em “Hotel Budapeste”. Fiennes constrói uma personagem de tal forma carismática que será difícil esquecer a imagem de um homem, também ele, a precisar de um emotional rescue, embora esteja convencido de que tem tudo sob controlo. Um pouco como diz a canção: “I will be your knight in shining armor / Riding across the desert on a fine Arab charger. “
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