Um disco é um disco é um disco. No entanto há discos singulares, e “A rose is a rose is a rose” (crítica aqui) enquadra-se nesta categoria. É já o sexto trabalho do portuense Francisco Silva, (conhecido no meio musical por Old Jerusalem), espécie de posto avançado da indie folk americana em Portugal, na esteira de Will Oldham ou Bill Callahan.
Desta feita, Old Jerusalem despiu o fato de trovador solitário e convidou uma mão cheia de colaboradores para dar vida às suas canções. O mais notável e interventivo foi o pianista de jazz Filipe Melo, peça importante no som deste álbum com os seus arranjos de cordas imponentes e teclas subtis. Disco introspectivo e delicado pede tempo para se entranhar mas, depois, agarra-nos pelas orelhas.
O concerto de apresentação do disco acontece já no dia 2 de Abril, na Galeria Zé dos Bois (ZDB) – Lisboa. Segue-se o Maus Hábitos (Porto) no dia 8 e, a 16 de Abril, o Teatro Académico Gil Vicente (Coimbra).
O Deus Me Livro lançou algumas questões ao mentor Francisco Silva, Old J para os amigos.
A expressão que dá nome ao disco, “A rose is a rose is a rose”, é um verso célebre da poetisa Gertrude Stein. Como chegou a esse verso e que papel tem a literatura na sua vida?
O meu primeiro contacto com esse verso não consigo precisar quando ocorreu, mas para a canção e o disco a relação estabeleceu-se mais por via da utilização que foi dada à expressão no âmbito da filosofia, para ilustrar o princípio da identidade.
O título refere-se ao facto de que cada coisa tem a sua natureza, e é importante respeitar a natureza das coisas. E a natureza de Francisco Silva, assenta na faceta de músico ou na de economista?
Assenta necessariamente na de ambos, com mais peso de uma ou de outra consoante a prevalência a cada momento de um ou de outro tipo de trabalho.
Qual foi o papel que a música teve no seu crescimento? Sempre quis fazer música?
A música tornou-se uma paixão desde cedo, acompanhou-me muito no meu crescimento e em vários momentos foi mesmo o elemento central em torno do qual tudo o resto se ia encaixando. Creio que tive vontade de fazer música a partir do momento em que aprendi a tocar um instrumento musical.
Quando começou a sua carreira, há 15 anos, era este o percurso que imaginava para Old Jerusalem? Ainda procura o mesmo que procurava na altura?
Não sei bem dar uma resposta totalmente satisfatória porque não me recordo de em algum momento na fase inicial ter expectativas quanto ao que seria o percurso de Old Jerusalem. Cada passo foi dando lugar ao seguinte, sem grandes planos a mais longo prazo. Posso no entanto dizer que a meio do percurso houve uma fase de uma certa frustração precisamente porque entendia que a evolução do projecto devia sofrer um impulso “qualitativo” e levar a outros patamares de funcionamento, quer em termos criativos, quer mesmo de negócio, o que nunca chegou a ocorrer. Quanto ao que buscamos, na essência sim, continua a ser o mesmo.
O disco anterior, “Old Jerusalem”, era um trabalho mais solitário, ao contrário de “A rose…”, em que se rodeou de colaboradores. O que o levou a procurar esta nova abordagem?
Em boa parte tratou-se de um “instinto” de reacção relativamente ao disco anterior, por uma questão de diversidade e de tentativa de mexer no processo de trabalho em busca de alguma frescura de resultados.
O que trouxe de novo à “marca” Old Jerusalem a colaboração com o pianista Filipe Melo?
O piano do Filipe vincou de forma notória a “natureza” dos temas. Possivelmente conferiu-lhes uma certa elegância e sobriedade mais “jazzísticos” e menos “folky”. Mas a influência do trabalho do Filipe Melo neste disco extravasou o mero encarregar-se do piano – ao trazer outros elementos para o projecto acabou por vincar bastante o cunho estético que ele acabou por assumir.
Como foi o ambiente durante as gravações?
Foi relaxado e agradável, na maior parte do tempo, com alguma intensidade em alguns momentos e alguma tensão criativa pontualmente, como é costume acontecer.
Já se confessou como um junkie musical. Qual é o seu top 3 de discos mais recentes?
É-me difícil fazer esse tipo de abordagem porque apesar de comprar regularmente música, nem sempre acompanho o que vai saindo. Mas remetendo-me ao meu historial de compras mais recente, posso referir 3 aquisições relativamente recentes de trabalhos, também eles relativamente recentes e que me agradaram: “Each other” de Aidan Knight, “No song no spell no madrigal” dos Apartments e “Nashville obsolete” da David Rawlings Machine.
As suas influências bebem de uma certa tradição musical americana. Como vê a possibilidade de ter alguém como Donald Trump à frente dos destinos da América?
Não vejo naturalmente com qualquer entusiasmo um cenário desse género, mas acredito também que o regular funcionamento das instituições teria capacidade de exercer algum controlo sobre as inclinações mais populistas até de um Donald Trump.
No início de Abril estão agendados concertos de lançamento de “A rose…”. Como vai ser a transposição do som “cheio” e orquestral do disco para o palco?
A transição destes temas para esse contexto vai exigir naturalmente uma “releitura” e uma adaptação ao formato da banda e ao contexto dos concertos. Eles manterão a sua matriz fundamental, claro, mas terão necessariamente outras roupagens, em que estamos agora a trabalhar.
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