Neste segundo volume de “Kenshin, o Samurai Errante” (Devir, 2016) – já nas bancas –, retomamos o confronto entre Himura Kenshin e Sagara Sanosuke. Apesar de Sanosuke se destacar enquanto lutador nesta nova era Meiji, a verdade é que ainda se encontra muito longe do que os samurais do tempo da revolução Bakumatsu – como Kenshin – conseguem fazer e, nesse sentido, esta luta nunca se chega a provar minimamente perigosa para o nosso herói. Contudo, convém sublinhar que o que Sanosuke não tem em técnica compensa com a sua resistência e motivação hercúleas. Não há personagem nesta saga que tenha a capacidade de receber tantos golpes violentos e continuar a lutar como esta.
Como é tradicional neste género de histórias, os combates tendem a alternar com a revelação do passado das personagens, mostrando as suas motivações. Desta forma, ficamos a compreender como é que uma personagem, aparentemente não tão diferente de Kenshin e companhia, se encontra tão intencionada em derrotar Battōsai o dilacerador. É que quando Sano olha para Kenshin ele não vê apenas um homem, antes um símbolo do grupo pró-imperialista Ishin Shishi e um que personifica a criação desta nova era Meiji – uma que, para ele, foi criada na base de mentiras e injustiças. Só que o que este lutador de rua não se apercebe é que Kenshin não tem qualquer interesse em representar ou defender uma determinada força política. A revolução resultou nesta nova era e, para Kenshin, o importante é lutar para que ela resulte. Não porque o seu grupo tenha sido o mais honesto (em tempos de guerra todos os lados sujam as mãos) mas porque a alternativa é sempre pior. Kenshin lutará sempre pela paz e, quando Sanosuke perceber isso, irá encontrar neste samurai mais do que um amigo: irá descobrir uma inspiração.
Após este confronto, a equipa base destas aventuras está finalmente formada com Kaoru, Yahiko, Sanosuke e Kenshin. Depois de uma primeira fase em que tivemos capítulos dedicados a cada um, estamos agora prontos para seguir em voos mais altos, o que acontece logo de seguida com a introdução de Udō Jin-e, o primeiro vilão da série a emanar uma verdadeira aura de perigo. Desta vez Kenshin já não pode relaxar como tem feito até agora.
Jin-e é um samurai que, tal como Kenshin, lutou na revolução Bakumatsu, só que ao contrário deste é um daqueles raros monstros sanguinários que apenas tem lugar num estado perpétuo de guerra. Mesmo havendo utilidade para assassinos deste género em tempos mais violentos, a verdade é que até o seu próprio grupo, os lendários espadachins Shinsengumi, defensores do Xogunato Tokugawa, consideraram Jin-e demasiado doentio, acabando por expulsá-lo. Tendo em conta este historial torna-se evidente que este guerreiro pertence a um grupo de samurais que não consegue disfrutar de tempos e eras mais pacíficas, continuando, por isso, a perseguir, clandestinamente, a sua carreira de assassino contratado. É durante o extermínio de vários oficiais do governo pela espada que o seu caminho se acaba por cruzar com o de Kenshin e seus amigos. Jin-e pode disfrutar de ter uma espada sempre embebida em sangue, mas o facto de os seus adversários deixarem muito a desejar não o estimula enquanto espadachim. É por isso que, ao se deparar com Kenshin, encontra nele a possibilidade de voltar aos grandes confrontos entre samurais.
Será neste combate que nos iremos aperceber, pela primeira vez, o quanto Kenshin é um homem diferente do famoso Battōsai o dilacerador. A sua recusa em matar, juntamente com a sakabattou (espada de gume invertido), tornaram-no um adversário menos temível e isso reflecte-se neste confronto. Se até agora a técnica de Kenshin se tem provado mais do que suficiente para vencer os seus adversários, contra Jin-e poderá não ser o caso. Pela primeira vez, Kenshin poderá ver-se obrigado a regressar àquilo de que mais se tem afastado: o seu passado.
Com este “Dois Assassinos”, Nobuhiro Watsuki confirma ainda mais as suas capacidades de contador de histórias. Ao libertar-se das mini introduções que pautaram o primeiro volume, o autor consegue avançar para narrativas mais densas e trabalhadas, continuando sempre a desenvolver as interacções dos seus protagonistas. A relação de Kenshin com Kaoru assume contornos cada vez mais fortes, bem como a sua influência no jovem Yahiko ou no novo companheiro de armas, Sanosuke. Os confrontos, por serem mais ferozes, ganham novas possibilidades tanto em termos de desenho como narrativos. Com Jin-e, o autor enveredou por um caminho mais fantástico ao criar a técnica de paralisação, inspirada na hipnose. De resto, os desenhos, bem como a construção de cada prancha, continuam em grade forma, excepto quando Watsuki decide interromper a acção com uma caixa de informação sobre o lançamento do audiolivro de “Kenshin, o Samurai Errante”. O entusiasmo do autor é notório, mas esta opção acaba por cortar na dinâmica das pranchas – teria sido uma melhor opção guardar estes textos para a secção de extras no fim de cada capítulo, tal como acontece na secção “Criação de Personagens”, onde Watsuki continua a revelar o processo pelo qual cada uma foi criada.
Continuando numa recta ascendente, “Dois Assassinos” eleva aquilo que havíamos lido anteriormente, provando que “Kenshin, o Samurai Errante” é, cada vez mais, uma série a seguir com atenção.
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