A propósito do mais recente trabalho “Tricky Presents Skilled Mechanics”, o Xamã do trip-hop veio a Lisboa tentar provar que ainda é relevante, passados 20 anos do lançamento de “Maxinquaye”, álbum-fetiche para muito boa gente.
Tricky gosta da escuridão. Talvez por isso, o concerto decorreu mergulhado numa penumbra fumarenta. Depois da intro – uma música do cantor jamaicano Vybz Kartel –, a noite arrancou com o músico de costas voltadas para o público, ao som de uma versão instrumental de “You don’t wanna”.
“I’m not going”, “Hero”, e “Dive away” saíram em piloto automático, sem chama. Apesar do espectáculo de luzes eficaz, a zona do palco manteve-se sempre muito escura. O cantor foi uma silhueta recortada pelos projectores durante todo o espectáculo, sendo difícil vislumbrar os outros músicos. Também não era fácil encontrar a voz de Tricky, muito apagada nas primeiras músicas.
Havia a expectativa de ver alguma das vozes que colaboraram no álbum, mas não tivemos essa sorte. A cantora dinamarquesa Oh Land, a rapper Ivy, e a cúmplice habitual Francesca Belmonte, soaram na Aula Magna em versão “enlatada”.
O primeiro momento interessante do concerto só chegou ao fim de seis músicas, quando o público respondeu positivamente à velhinha “Overcome”, do álbum de 1995 “Maxinquaye”, mostrando que grande parte da sala estava ali para reencontrar uma paixão antiga.
Muito inconstante o espectáculo teve, no entanto, alguns bons momentos. “Palestine Girl”, do álbum de 2014 “Adrian Thaws”, foi um deles. A raiva e a frustração que alimentam a sonoridade de Tricky transpareceram na sua prestação, nesta música – atormentado, atirava os braços para o ar e contorcia-se à frente dos focos, rugindo.
Prosseguimos com “Valentine”, que faz parte de “False Idols”, de 2013, outro momento interessante. O ambiente sombrio e o jogo de luzes, entrecortados com um sample da voz de Chet Baker, criaram uma atmosfera muito eficaz – envolvente e narcótica, quase subaquática.
Seguiu-se “Sun Down”, numa versão mais musculada que abanou a sala. O potente backbeat da bateria e a pesada frase de guitarra transformaram a música num monstro ululante (no bom sentido), com o cantor a balançar, feroz, agarrado a dois suportes de microfone, à frente de uma densa muralha de som.
Durante o primeiro encore chegou o melhor momento do concerto. “Boy”, do álbum mais recente, é uma espécie de autobiografia/exorcismo dos fantasmas do passado do músico.
A letra fala do pai que conheceu aos 12 anos, da mãe que se suicidou, dos traumas e problemas com a lei. É a melhor música do disco – e foi a melhor da noite -, apresentada com furor e arrebatamento pelo diabólico Mefistófeles de Bristol.
Houve ainda tempo para “Beijing to Berlin” e para a versão dos Stonesour “Bother”, cantada pelo baterista Luke Wilson. Nada a dizer em ambas, podíamos estar em casa a ouvir o disco. Correu melhor “Vent”, faixa sufocante e hipnótica que agarrou a plateia e a deixou fascinada, como se observasse um encantador de serpentes.
A fechar o espectáculo tivemos “Here my Dear”, também de “Skilled Mechanics”. Ao som de um cortante riff de guitarra e da poderosa bateria, o cantor convidou a assistência para subir ao palco, que não se fez rogada.
O concerto terminou com dezenas de pessoas em cima do palco a fazer a festa, e com Tricky a protestar com um “Shut these fucking disco lights out!” até que se apagaram todas as luzes. É como dizíamos, o homem gosta mesmo da escuridão.
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