Há paisagens dentro da música de Old Jerusalem. Conseguimos ver as grandes montanhas americanas, com os seus desfiladeiros e penhascos, um cenário tranquilo, bucólico e majestoso. O portuense Francisco Silva, compositor e cantor por detrás da máscara “Old Jerusalem”, pertence à América, uma verdade emocional tão absoluta que não pode ser afectada pelo lugar onde nasceu.
O novo disco confirma-o. “A rose is a rose is a rose” (PAD, 2016) é já o sexto trabalho do autor, sucedendo ao álbum homónimo de 2011. Desde logo há uma diferença: o disco anterior tinha sido um trabalho íntimo e solitário e, desta feita, houve a intenção de incluir vários colaboradores.
Logo à partida juntou-se a Francisco Silva um cúmplice de peso: Filipe Melo, pianista de jazz, compositor, autor de banda desenhada, realizador e um dos homens mais ocupados do panorama artístico português. Com ele veio um contrabaixo e um quarteto de cordas, que ajudaram a dar outra forma às canções escritas.
A substância essencial da música não mudou: “Old Jerusalem tem um carácter bem definido, por mais colaborações que surjam”, diz o próprio Francisco em entrevista ao jornal Público. É verdade. Ainda assim, o impacto da colaboração de Filipe Melo é evidente. Vê-se logo na primeira música, a cativante “A Charm”. Começa com a habitual guitarra acústica que, em conjunto com a voz serena de Francisco Silva, nos puxa para dentro da canção. Ao final do primeiro minuto, a música eleva-se com a entrada do contrabaixo, da percussão e do quarteto de cordas, ganhando outra dimensão.
Ancorada nas vastidões da América, a sonoridade continua de pés bem assentes na folk, mas os arranjos transformam o som, tornando-o mais “cheio”, com um acréscimo de dramatismo que encaixa bem nas composições. Uma das inspirações vem de David Campbell, o pai de Beck, autor das orquestrações de “Sea Change” e “Morning Phase”, magníficos álbuns do cantor californiano.
Os pontos cardeais do mapa de referências de Old Jerusalem são reconhecíveis. A voz de Francisco Silva faz lembrar a espaços Bill Callahan, outras vezes Will Oldham, outras ainda Kurt Wagner, todos cantautores de uma certa nostalgia alt-country. “All the While” evoca ainda as harmonias vocais de Simon & Garfunkel.
Depois da terna e delicada canção de embalar “Airs of Probity”, a cadência arrastada e tensa da faixa-título envolve-nos e embala-nos com elegância. A voz sobressai na mistura e a música ganha com isso.
“One for Dusty Light”, o single de apresentação, tem um travo country-rock, percorrendo os terrenos habitados, por exemplo, pelos Fleet Foxes. As tonalidades sugeridas pelo contrabaixo de Nelson Cascais acrescentam uma pulsação jazzy muito particular, com eco em todo o disco. Essa aproximação ao jazz vê-se em diversas faixas – veja-se a percussão marcada da faixa “Florentine Course”, por exemplo. Com uma guitarra bluesy, a música é mais um ponto alto do disco.
Há ainda espaço para discussões acesas com final feliz (“Summer Storm”), baladas minimais de voz grossa (“Dayspring”) e meditações sobre a juventude e o envelhecimento (“Twenties”).
“A rose is a rose is a rose” é um conjunto de canções tranquilas e atmosféricas, de beleza inegável. Ouvido com vagar, revela um autor maduro, no domínio da sua estética e sonoridade, que merece toda a nossa atenção.
Os três concertos de apresentação do álbum realizam-se em Abril: no dia 2, na Galeria Zé dos Bois, em Lisboa, no dia 8 nos Maus Hábitos, no Porto, e no dia 16 no Teatro Académico Gil Vicente, em Coimbra.
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