Há traduções possíveis, ainda que se repita à exaustão que não se traduzem nomes próprios. No âmbito da competição de longas-metragens da Monstra – Festival de Animação de Lisboa, foi na passada quinta-feira que o Cinema São Jorge exibiu uma das animações mais acarinhadas pelo público do festival, “Abril e o Mundo Extraordinário”, a partir do inglês “April and the Extraordinary World” – que, por vezes, também é “April and the Twisted World”, a partir do original “Avril et le Monde Truqué” (algo como o mundo falsificado, igualmente extraordinário ou arrevesado, dá para tudo). Não se trata do mês de Abril, mas do primeiro nome da protagonista – invulgar, mas possível. Confuso? Talvez não.
Comecemos de novo: esta produção franco-belga-canadiana, uma adaptação da banda desenhada do ilustre Jacques Tardi (responsável pela heroína Adèle Blanc-sec), não podia ser mais oportuna. A mensagem em torno da ética da ciência, da natureza humana e de como esta se relaciona com a dicotomia progresso/consciência ecológica é pungente e contada com a mística bem ao jeito das grandes produções Amblin Entertainment de Steven Spielberg, cuja influência (recíproca da BD franco-belga, não fosse o realizador norte-americano responsável pela adaptação de 2011 de “As Aventuras de Tintin”) se faz sentir na sedução de encantador de serpentes que caracteriza os contadores de histórias com as melhores premissas e teor moral.
A partir da visão distópica de Tardi temos uma Paris alternativa, que nunca foi além da Revolução Industrial, permanecendo o mundo movido a vapor e carvão. Napoleão V está aos comandos de França há 70 anos e os cientistas que deviam ser responsáveis pelo avanço da física e demais ciências essenciais ao progresso sustentável estão a desaparecer, envoltos numa aura de mistério. Abril (através da voz de Marion Cotillard), uma jovem moça, parte na busca de dois desses cientistas – os pais que julgava mortos -, responsáveis por uma espécie de soro da imortalidade. O resultado é um universo que, embora quase sempre monocromático, não deixa de ser uma bela amostra de imaginação fértil, com cenários que passam pelo epicentro parisiense e as (alternativas) torres gémeas Eiffel, ou a exibição num museu deserto da última árvore de carvalho, portentosa, que resta.
A dupla de realizadores, Christian Desmares e Franck Ekinci, respeita o traço “hergériano” de Tardi numa animação sem restrição de idade, convidando, inclusive, o público infantil mais graúdo a juntar-se à discussão posterior dos adultos. Não nos espantaria, à medida que estes caracteres são fixados, que algum produtor endinheirado de Hollywood estivesse a ponderar a hipótese de adaptar “Abril e o Mundo Extraordinário” a uma versão de carne e osso (claro está, com uma dose milionária de efeitos especiais). Parece-nos uma aposta ganha. Ser vencedor do prémio do público da Monstra parece prová-lo.
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