“Temos uma coisa em comum: ambos nos escondemos à vista de todos”, diz Gustavo Fring a Walter White, personagens centrais da premiadíssima série Breaking Bad. Em contrapartida, o talento de Bryan Cranston deixou há muito de ser invisível. Apesar de ter nascido em Hollywood, foi graças à televisão que alcançou o sucesso – quem não conhece o professor de Química que rapidamente assume o controlo do mercado das metanfetaminas está a passar ao lado de uma das personagens mais marcantes de sempre. No entanto, houve um longo caminho a percorrer, já que Cranston só se tornou a estrela que é hoje em 2008, ano em que Vince Gilligan o elegeu para protagonista da famosa série.
Bryan Lee Cranston completou 60 anos no passado dia 7 de Março e o próprio reconhece não ter tido uma infância fácil: depois do pai – um actor falhado e pugilista amador – sair de casa para ir viver com outra mulher, a mãe refugia-se no álcool e em relações inconsequentes, perdendo o discernimento necessário para tomar conta de três filhos. Por este motivo, Cranston e os irmãos mudam-se para a quinta dos avós, e o divórcio deixará marcas profundas em todos eles. Só 11 anos mais tarde o reencontro com o pai acontece, um “pai tão curvado que parecia carregar o peso do mundo nos ombros”. Numa entrevista recente ao The New York Times, Cranston confessa ter-se inspirado nesta figura derrotada quando aceitou o papel de Walter White, uma personagem que vive durante demasiado tempo aquém das suas reais capacidades.
Talvez seja esta a razão por que imprimiu tamanha densidade ao génio capaz de produzir metanfetaminas de rara qualidade, pois é no laboratório que as suas qualidades acabam por ser finalmente reconhecidas. O químico é um perfeccionista disposto a assumir riscos cada vez maiores em nome do bem-estar da família – e, tendo de conviver com uma doença terminal, sente que não tem muito a perder. Independentemente do desfecho da série, houve um final feliz para Cranston, que conquistou um cortejo de prémios e o reconhecimento que tardou a chegar – tanto da crítica como do público. Para trás ficaram papéis secundários em séries como Seinfeld e Ficheiros Secretos ou em filmes que marcaram a história do cinema contemporâneo, como O Resgate do Soldado Ryan ou Argo.
Porém, não é apenas no cinema ou na televisão que o actor se sente à vontade; graças à peça All The Way, baseada numa obra vencedora de um Pulitzer, Cranstou ganhou um Tony pelo seu retrato de Lyndon B. Johnson, com especial ênfase no período em que este assume, de forma inesperada, o cargo de Presidente dos Estados Unidos após o assassinato de John F. Kennedy. São três horas em palco e a finalidade é dar a conhecer um político simultaneamente manipulador e vulnerável, apostado em fazer o que considera certo através da erradicação da desigualdade racial. A peça foi tão bem acolhida na Broadway que Steven Spielberg já aceitou passar a história para o grande ecrã.
Cranston é ainda um homem com enorme sentido de humor: mal soube que Juliette Binoche seria a sua companheira em Godzilla, tentou convencer Gareth Edwards, o realizador, a acrescentar uma cena íntima. Tudo não passou de uma brincadeira, já que é casado com Robin Dearden, com quem tem uma filha, há cerca de trinta anos, assumindo não estar disposto a perder a única mulher capaz de competir com o seu interesse pelo baseball, desporto que praticou quando era adolescente. Robin Dearden foi, aliás, decisiva para que Cranston se interessasse pela figura de Dalton Trumbo, dando origem à primeira nomeação para o Oscar pelo seu desempenho no biopic em torno do argumentista de Férias em Roma e Spartacus.
“Fiz tudo por mim. Eu gostava daquilo. Era bom no que fazia. E sentia-me… Sentia-me vivo”, confessa Walter White a Skyler. Na verdade, não é o único: também nós nos sentimos vivos graças ao talento de Bryan Cranston. Um actor de se lhe tirar o chapéu – mas não o de Heisenberg, que já se encontra no Smithsonian. Touché!
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