Foi a toque de Red Bull que planámos no segundo dia do NOS Alive, que começou com uma ida à casa de passe do Perry Farrell e só terminou no animado club dos australianos Cut Copy. Ficam os nossos destaques de dia 12 de Julho, onde assumimos também a nossa condição de betos.
Estão a ver aquelas casas de passe com nomes tão incríveis como “A Sorte do Azar” ou “Cravo Azul”? Pois bem, o senhor Perry Farrell, que nos habituámos a ver ao volante dos Jane’s Addiction nos idos anos 1990, trouxe consigo uma orquestra da má vida e transformou o Palco NOS numa boîte em regime matiné, onde só faltou mesmo o varão. Para isso contribuiu, em muito, a sua namorada oriental que, qual proprietária da sua muito própria Kananga do Japão, tudo deu para que o clima se mantivesse apresentável. Perry, esse, mantém aquele ar pouco saudável de quem esteve à conversa com o dealer local, perpetuando aquele imaginário rocker que já vai sendo difícil de encontrar por aí – pelo menos com aquele ar tão natural. Ainda deu para escutar alguns clássicos dos Jane, e só faltou mesmo o varão e umas bandejas com flûtes de champagne a rodar pelo recinto para a coisa ter atingido o degredo no seu estado mais cool.
Eram, há vinte anos atrás, banda para aparecer como cabeças de cartaz em qualquer festival dito fixe, à boleia de rodelas como “Sreamadelica” – provavelmente o melhor disco indie da história, a par do primeiro dos Stone Roses – ou “Give Out But Don’t Give Up”. E, se David Bowie entrou para as enciclopédias como aquele camaleão que tinha um olho de cada cor – sobretudo pelas mudanças de visual -, os Primal Scream foram também eles uns valentes mutantes, derivando entre a música de dança e o rock sem freio para construir uma carreira sólida onde, mesmo nos discos mais manhosos, conseguimos sempre descobrir uma ou duas malhas incríveis.
Sir – já que a Isabel não se chega à frente fazemo-lo nós – Bobby Gillespie ganhou, comece-se por aqui, o prémio de melhor outfit do NOS Alive, encostando toda a gente às cordas com um fato completo – sapatos incluídos – num tom de rosa choque, capaz de incendiar qualquer festa da linha de Cascais ou uma rave abençoadamente ilegal. Gillespie esteve imparável no incitamento das hostes, que lá se renderam ao seu charme algo decadente e a uma banda que esteve sempre no ponto, reinventando alguns clássicos de Sreamadelica e, pela hora do lusco-fusco, arrasando com um malhão chamado “Swastika Eyes”. Bem bom.
Banda que é banda ou, pelo menos, que quer dar concertos onde ninguém abra a boca, decida consultar um feed só naquela ou comece a compor mentalmente a lista do supermercado, deveria ser obrigada a ver as gravações dos Vampire Weekend. A banda de Ezra Koenig, Chris Tomson e Chris Baio assinou o seu mais experimental concerto em terras lusas, atravessando uma discografia composta por quatro rodelas onde, a última, consegue fazer de uma vida privilegiada e sem grandes sobressaltos existenciais matéria para uma refinada escrita de canções.
Ao contrário dos Strokes, que foram sempre uns betinhos armados em malta alternativa, os Vampire Weekend nunca negaram a sua condição fidalgal, que metia cenas como usar sweats e pólos de marca, mas também inventar piadas incríveis e escrever letras que mais pareciam uma manta de retalhos sobre o que era a boa vida de estudantes que não tinham de se preocupar com a renda do fim do mês, trocar a botija do gás ou pagar aquele jantar fiado na tasca mais próxima.
Ao mesmo tempo, os Vampire sempre foram uns experimentalistas de primeira água, bem mais atrevidos do que quando Paul Simon quando inventou “Graceland”. Um antagonismo que ficou bem patente em todas as suas rodelas, que deram sempre bons casamentos: “Vampire Weekend” (2008) capturava o início da idade adulta, da mesma forma que os Blur o haviam feito com “Leisure”; “Contra” adoptava a atitude punk a que estes betos sempre acharam não ter direito; já “Modern Vampires of the City” foi uma espécie de Bohemian Rhapsody, a sua obra mais orquestral que revelava o desejo de abraçar um estádio inteiro; e, claro, este “Father of the Bride”, constituído por 19 (!) temas que vão do cheesy ao incatalogável e que mostra, como ficou bem vincado no concerto do NOS Alive, que estes miúdos sabem rockar como os Zeppelin, flutuar como os Floyd, dedilhar como Santana ou soltar o funk como Mr. James Brown. Aquela versão de “Jokerman”, original de Bob Dylan com ecos de The Who, foi transcendente. Com eles, a verdade é apenas uma: somos todos betos.
Chegámos na curva que antecede a recta final mas, privilégio do destino, ainda fomos a tempo de ver Grace Jones ser carregada em ombros com uma crina branca e um chicote maroto, dar-lhe um sentido high five e ver-lhe as mamocas por duas vezes. Escutámos “Pull Up to the Bumper” entre uma explosão de confetis, bem como o épico final ao som de “Slave to the Rythm”, onde Grace esteve mais de dez minutos a rodar um arco de hulla hoop como se não se passasse nada, enquanto ia cantando e apresentando a preceito cada um dos elementos da banda. Que diva, amigos. Que diva. Ah, lembram-se daquele varão que estava em falta no concerto do Perry Farrell? Afinal esteve sempre aqui.
Para quem, como nós, estava a ser alimentado a Red Bull, o concerto dos Cut Copy foi um verdadeiro mimo. A banda australiana, que já anda nesta vida de animar festas desde 2001, entrou em modo club 2.0, revestindo clássicos como “Hearts On Fire” e “Lights & Music” de uma aceleração que, normalmente, só se encontra a horas indecentes ou nos afters do Garage, já com o sol a ameaçar pôr-se bem alto. Good on ya!
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