Na vida, seja na música, no vestuário ou no futebol, há sempre lugar para modas. Umas mais passageiras que outras mas que, quando consideradas como tal, tendem a atingir o seu ponto everestiano para, lentamente, descerem novamente a um nível que, apesar de poder continuar na linha da frente, não será já suficiente para ser cabeça de cartaz em festivais, desfilar nas passerelles de Roma ou ser considerado o corpinho mais bonito do ano pela GQ.
Também a história da literatura está carregada destes fenómenos, seja o recente despertar para a literatura erótica – a milhas de Sade e seus comparsas -, do não tão recente boom do reino da fantasia – culpem George R. R. Martin, por exemplo – ou de outros fenómenos que aparecem, fazem todo o barulho do mundo e vão depois saindo de fininho quase sem ninguém dar por eles.
No caso de José Luís Peixoto, pode dizer-se que foi um caso literário atravessado por alguma ideia de moda, em que a qualidade literária surgiu ligada a um estilo muito próprio do autor, que rompia com a ideia mais clássica e conservadora que os leitores teriam dos escritores, sobretudo no que toca aos portugueses. E, se é verdade que os seus primeiros livros se venderam como pãezinhos quentes, os seus últimos lançamentos têm passado um pouco mais ao lado, como se o afastamento dos holofotes tivesse mexido com o acto da escrita.
É exactamente o acto de escrita que serve de impulso ao novo livro do escritor português, direccionado para o público infantil. O calendário assinala o dia 6 de Fevereiro de 1997, quando todos os jornais diários e semanários partilham na primeira página a mesma notícia: “Todos os escritores do mundo têm a cabeça cheia de piolhos” (Quetzal, 2016).
Tratava-se de uma frase dita por um escritor famoso que, assim que viu a frase impressa em letras bem gordas, tratou de corrigir dizendo “eu não disse exactamente isso“, mas o mal já estava feito e impresso.
O pandemónio foi geral, da comunidade de escritores às próprias personagens dos livros, sobretudo as dos livros infantis, que exigiram que os ilustradores trabalhassem num desenho que lavasse com champô anti-piolhos a cabeça de todos os escritores do mundo. Quando a medida não deu resultado, os escritores não têm outro remédio a não ser rapar o cabelo. A comichão, porém, continua. Mas serão realmente piolhos?
Com alguns contornos auto-biográficos, fica a ideia de que este “Todos os escritores do mundo têm a cabeça cheia de piolhos” é uma espécie de laboratório criativo de Peixoto, um livro dentro de um livro que aguarda, agora, que a comichão ataque em força revelando uma história ainda não escrita.
As ilustrações ficaram a cargo de Rita Correia, que temos vindo a acompanhar com bastante atenção. Aqui mistura variadíssimas técnicas, do desenho em modo cartoon às colagens, do uso de papel jornal ao ar de um livro de recortes, mostrando que depois de um início de carreira em modo de edição de autor tem tudo para se tornar numa das mais interessantes e inventivas ilustradoras nacionais.
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