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“Liga de Cavalheiros Extraordinários III: Século” | Alan Moore e Kevin O’Neill

Por Gabriel Martins · Em 10/11/2016

O nome de Alan Moore tem de ser um dos que dispensa mais apresentações, quando falamos em argumentistas de Banda Desenhada. A sua obra é vasta, contando com vários títulos que atingiram um estatuto de culto entre os leitores. Moore é hoje detentor de uma enorme projecção, fruto das várias adaptações ao Cinema dos seus trabalhos – ainda que o autor renegue essas mesmas adaptações, cuja qualidade é realmente duvidosa. Apesar de estarmos a falar de um autor bem consagrado e reconhecido por cá, a verdade é que em termos de publicação continuava a ser bastante desprezado, algo que mudou estrondosamente neste ano de 2016. Fica a sensação de que neste ano os astros se alinharam para Alan Moore em Portugal, como o provam a edição de “V For Vendetta” (com a presença de David Lloyd no lançamento) e “Watchmen” pela Levoir, de “Miracleman” pela G. Floy e de “Do Inferno” (talvez o melhor livro de Moore) e deste “Liga de Cavalheiros” pela Devir. Assim, de repente, temos cinco títulos do autor e todos considerados clássicos de um determinado género na BD. Fantástico!

Antes de avançar mais sobre este título convém contextualizá-lo um pouco. Esta Liga de Cavalheiros, criada por Alan Moore e Kevin O’Neill, teve início em 1999 e apresentava-se como uma espécie de Liga da Justiça da época Vitoriana, constituída por personagens literárias tão distintas como Mina Murray, Allan Quatermain, Capitão Nemo, Dr. Jekyll e o Homem Invisível. Porém, logo nas primeiras páginas desta saga, percebemos que estamos perante algo muito maior e que todas as aventuras vividas por estas personagens se apoiam numa enorme e complexa teia literária. É uma ideia comum esta de criar histórias novas com personagens clássicas que já caíram no domínio público, a série televisiva “Penny Dreadful” é disso um bom exemplo. Nesta última, porém, não existe uma história como esta em termos de densidade de referências. A “Liga de Cavalheiros” é um produto que resulta de um trabalho tanto hercúleo como enciclopédico de Alan Moore e que a destaca de qualquer outro trabalho do género.

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O segundo volume começou imediatamente a ser publicado em 2002, o que reforçava a ideia de uma Liga robusta e preparada para continuar as suas aventuras de forma regular. Contudo, as intenções de Moore nunca foram as de prolongar estas histórias da mesma forma que acontece no género dos Super-Heróis. Talvez por isso a Liga tenha entrado, a seguir, num período de hiato que se prolongaria até 2007 com a edição de “Black Dossier”, uma espécie de livro informativo sobre este Universo, não se tratando efectivamente de um volume 3 – o qual só chegaria mais tarde.

Convém referir que, até ao momento, “Black Dossier” se tratava da única publicação relacionada com a Liga a não ter edição em Portugal. A opção da Devir em saltar este volume poderá estar relacionada com o facto de ser um produto diferente dos restantes livros e, por isso mesmo, mais arriscado no que toca a vendas. Este salto não é assim tão estranho quando estamos perante um livro extra, cuja leitura não é essencial para a compreensão do volume 3 (ainda que ajude a perceber determinadas opções). De qualquer das formas, este não deixa de ser um volume importante pela visão geral de toda a História da Liga e, mais uma vez, pelo estrondoso trabalho de Alan Moore que, além da curta aventura em BD a decorrer no universo Orweliano de 1984, escreveu uma série de histórias em prosa onde replica o estilo literário de vários autores, entre os quais William Shakespeare, John Cleland, P. G. Wodehouse e Jack Kerouac.

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Tudo isto para chegarmos a este terceiro volume intitulado “Século”, um volume marcado pelo espírito da mudança – mudança essa tanto a nível editorial como de formato. Para começar assistimos à despedida definitiva entre Moore e a DC Comics (com quem o autor mantém uma relação conflituosa), com os direitos da Liga a passarem para a Top Shelf e Knockabout Comics (que também publicaram o spin-off “Nemo”). Em relação à estrutura – talvez pelo longo hiato -, Moore e O’Neill planearam dividir este volume em três capítulos distintos, editados em 2009, 2011 e 2012, respectivamente. Cada volume conteria uma aventura auto-conclusiva, ao mesmo tempo que desenvolveria uma história maior, que decorreria ao longo de um século, com o primeiro volume a passar-se em 1910, o segundo em 1969 e o terceiro em 2009. Uma premissa ambiciosa, com um resultado final bem positivo, para não variar. A ideia deste formato funcionou muito bem e apresentou-nos não só a diferentes fases desta Liga de Cavalheiros como a três épocas bem distintas. Abandonámos definitivamente a era Vitoriana para mergulhar de cabeça nos crimes do início do século XX, no activismo alucinatório dos anos 60, até chegarmos à esta nossa era moderna onde a tecnologia impera mas a magia não é esquecida. Ao longo destes três capítulos compilados nesta luxuosa edição da Devir, continuamos a seguir as aventuras da destemida líder da Liga, Mina Murray, sempre acompanhada pelos seus fiéis companheiros Allan Quatermain e Orlando, os únicos membros da Liga que conseguem aguentar a passagem do tempo devido às suas características especiais em relação ao envelhecimento.

É uma Liga, tanto em termos de equipa como de composição, bastante diferente, mas ao mesmo tempo a emanar a mesma classe e o mesmo charme que tem desde a sua origem. Os capítulos são bem estruturados, começando em 1910 com a recordação das mortes de Jack o Estripador (onde Moore volta a sublinhar uma teoria sobre a verdadeira identidade do assassino em série), a continuação do legado de Nemo e a visão de um futuro apocalíptico envolvendo o mestre do oculto Oliver Haddo (uma caricatura de Aleister Crowley). Saltando para a década de 1969, continuamos a seguir o culto de Haddo, que permanece bem activo mas ainda longe de alcançar as suas ambições apocalípticas, enquanto a Liga sofre internamente, como nunca antes, fruto também do peso da idade que cada um carrega.

Liga de Cavalheiros Extraordinários, Século, Alan Moore, Devir, Deus Me Livro, Kevin O’NeillApenas em relação ao terceiro e último capítulo se sente alguma pressa na narrativa, algo que parece estar relacionado com a limitação a 72 páginas, que se provam insuficientes para concluir esta épica batalha entre a Liga e o culto de Haddo. A razão prende-se com o facto de os autores terem introduzido severas mudanças na vida dos seus protagonistas, que beneficiariam de mais tempo para os seus desenvolvimentos. Porém, se o ritmo da história sofre com isso, o sentimento final que prevalece continua a ser o de satisfação. Sem contar que este é o capítulo mais chocante em termos de referências literárias, uma vez que vai buscar duas fortes adições ao universo infantil para retratá-las como nunca as vimos antes e, só por isso, valeria sempre a pena.

Em relação a este trabalho fala-se sempre muito de Moore, devido ao seu conhecimento enciclopédico de literatura. No entanto, Kevin O’Neill também merece ser elogiado nesta empreitada à qual sempre se manteve fiel. A forma como O’Neill deu vida a estas personagens, dentro de um ambiente steampunk, mantém-se hoje como uma imagem de marca. As suas pranchas continuam a ser preenchidas com vários pormenores curiosos e importantes, resultando num trabalho final notável. Como extra, a edição contém ainda a história de ficção científica “Sicários da Lua”, onde Moore escreve ao estilo do autor John Thomas Sladek.
Para terminar é fácil concluir que este continua a ser um projecto muito interessante e querido na carreira dos seus autores. Até ao momento não sabemos se estamos perante o derradeiro último capítulo deste Universo mas, numa altura em que Donald Trump acaba de vencer a presidência dos Estados Unidos, é caso para pedirmos a Liga de volta. Continuamos claramente a precisar dela.

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Gabriel Martins

"Do not go gentle into that good night, Old age should burn and rave at close of day; Rage, rage against the dying of the light." Dylan Thomas

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