Quando for feita a lista dos livros do ano com edição em 2015, e no caso de se avançar para a categoria dos mais estranhos e bizarros romances, “J” (Bertrand Editora, 2015) estará em muito boa posição para discutir o primeiro lugar.
Autor de treze romances e cinco obras de não ficção, Howard Jacobson venceu o Booker Prize em 2010 com “A Questão Finkler”, livro que lhe abriu as portas da edição nacional. Este “J”, comparado na capa às duas maiores distopias jamais escritas – “Admirável Mundo Novo” e “1984” -, está porém a milhas de uma narrativa clássica, oferecendo um final – e sobretudo uma viagem – que fará com que o leitor fique às aranhas, tentando colar os pedaços de massa cinzenta que entretanto foi perdendo pelo caminho.
A história é passada num lugar onde a memória colectiva desapareceu, e o passado se tornou um território demasiado perigoso para ser revisitado (ou sequer falado). Como protagonistas de uma estranha história de amor temos duas personagens sui generis: Kevern ‘Coco’ Cohen, que tinha uma estranha brincadeira com o seu pai quando era criança. De cada vez que alguém começava uma palavra pela letra “J” sem levar os dois dedos aos lábios, perdia um penny. Kevern cresceu com a ideia de que havia segurança na ignorância, coleccionando às escondidas objectos – tratava-os mal para não dar nas vistas aos informadores – quando a lei permitia apenas a presença de um objecto com mais de cem anos por residência; Ailinn Solomons, que apesar de considerar que tem uma vida aventureira detesta os seus pés. Com 25 anos e uma arritmia por perto, não sabe quem são os seus pais.
Apesar de serem ambos tremendamente desconfiados, Ailinn e Kevern sentem uma magnética atracção um pelo outro, formando juntos uma espécie de refúgio contra um mundo que vive mergulhado nos despojos de uma catástrofe histórica que ficou conhecida enigmaticamente como “Aquilo que aconteceu, se é que aconteceu“. Enquanto se vão aproximando de algo que se pressente perigoso, há uma força desconhecida que os quer manter juntos. Custe o que custar.
Nesta história que nos encosta à parede repetindo constantemente a mesma interrogação desafiante – o passado: aprender com ele ou esquecê-lo? -, outras personagens ajudam a compor o enigma, como Densdell Kroplik, “o zelador não oficial de segredos de Port Reuben e o contador das suas histórias“, ou o inspector Gurkind, que em segredo guardava demasiadas relíquias de família.
Trata-se de um mundo onde há muita coisa que não é possível fazer, apesar de nada estar oficialmente proibido. Um lugar onde as pessoas pedem desculpa ao mesmo tempo que insistem em que não há nada pelo qual pedir desculpa. E onde, como na alegoria da rã que o livro oferece a certa altura, se deixam cozer lentamente até à morte, ditosamente inconscientes do que se passa e com rodas as articulações descontraídas.
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