É difícil passar os olhos por qualquer um dos volumes da Enciclopédia da Estória Universal de Afonso Cruz e não sentir, por momentos, a evocação de Jorge Luis Borges. Uma evocação que não tem, porém, a ver com qualquer semelhança de estilo ou forma, mas antes pelo modo em como, através de frases curtas e carregadas de poesia, o autor português leva o leitor a viajar, de olhos fechados, por entre continentes e eras, num passeio que começa na Mesopotâmia e se estende até aos nossos dias.
Depois de “Recolha de Alexandria”, “Arquivos de Dresner” ou “Mar”, o quinto volume da fabulosa Enciclopédia – o quarto editado pela Alfaguara – chega às livrarias com o título “As reencarnações de Pitágoras” (Alfaguara, 2015). Através de uma visão poética do mundo, Afonso Cruz apresenta uma recolha ficcionada de algumas das vidas que Pitágoras, o célebre matemático e filósofo, terá vivido ao longo dos séculos, como que tentando provar que cada ser humano contém, dentro de si, uma enormidade de almas.
As ilustrações de Susa Monteiro, gravadas a preto e branco e sempre à direita dos quadros poéticos, fazem das palavras frames cinéfilos que capturam toda a essência que, de A a Z, nos mostra as várias almas de Pitágoras. Como estas: Andronikus, que inventou – ou melhor, coseu – a linha que ainda hoje usamos para coser os nossos destinos; William Blake, que “contava grãos de areia para saber quantos universos cabiam numa praia“; Elpos de Idalium, que “criou anedotas para chorar, inventando assim os dramas“; Obichukno, que “restaurava móveis antigos até estes voltarem a ranger o passado que tinham presenciado“; ou Lukasz Szczedanski, um físico teórico que “só acreditava que o universo estava realmente em expansão quando a mulher que amava entrava em casa.” Simplesmente deliciosa esta Enciclopédia.
1 Commentário
Esta enciclopédia é qualquer coisa de espectacular. E, sim, tem tudo a ver com o ceguinho de Alexandria. Perdão, de Buenos Aires.